domingo, 18 de outubro de 2009

Em nova certidão civil por mudança de nome não precisa constar que houve alteração de sexo
Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - 16 de Outubro de 2009
DECISAO
Transexual consegue alteração de nome e gênero, sem registro da decisão judicial na certidão
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a alteração do pré-nome e da designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mudança de sexo. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários.
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A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. Anteriormente, em 2007, a Terceira Turma analisou caso semelhante e concordou com a mudança desde que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil.
A cirurgia de transgenitalização foi incluída recentemente na lista de procedimentos custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o Conselho Federal de Medicina reconhece o transexualismo como um transtorno de identidade sexual e a cirurgia como uma solução terapêutica. De acordo com a ministra relatora, se o Estado consente com a cirurgia, deve prover os meios necessários para que a pessoa tenha uma vida digna. Por isso, é preciso adequar o sexo jurídico ao aparente, isto é, à identidade, disse a ministra.
A ministra Nancy Andrighi destacou que, atualmente, a ciência não considera apenas o fator biológico como determinante do sexo. Existem outros elementos identificadores do sexo, como fatores psicológicos, culturais e familiares. Por isso, a definição do gênero não pode ser limitada ao sexo aparente, ponderou. Conforme a relatora, a tendência mundial é adequar juridicamente a realidade dessas pessoas. Ela citou casos dos tribunais alemães, portugueses e franceses, todos no sentido de permitir a alteração do registro. A decisão foi unânime.
Entenda o caso
O transexual afirmou no STJ que cresceu e se desenvolveu como mulher, com hábitos, reações e aspectos físicos tipicamente femininos. Submeteu-se a tratamento multidisciplinar que diagnosticou o transexualismo. Passou pela cirurgia de mudança de sexo no Brasil. Alega que seus documentos lhe provocam grandes transtornos, já que não condizem com sua atual aparência, que é completamente feminina.
A defesa do transexual identificou julgamentos no Tribunal de Justiça do Amapá, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, nos quais questões idênticas foram resolvidas de forma diferente do tratamento dado a ele pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesses estados, foi considerada possível a alteração e retificação do assento de nascimento do transexual submetido à cirurgia de mudança de sexo.
Em primeira instância, o transexual havia obtido autorização para a mudança de nome e designação de sexo, mas o Ministério Público estadual apelou ao TJSP, que reformou o entendimento, negando a alteração. O argumento foi de que a afirmação dos sexos (masculino e feminino) não diz com a aparência, mas com a realidade espelhada no nascimento, que não pode ser alterada artificialmente.
NOTAS DA REDAÇAO
Segundo o Código Civil de 2002 o nome é considerado um dos direitos da personalidade conferido a toda pessoa como um sinal diferenciador que individualiza e identifica a pessoa, portanto, inerentes à pessoa e indispensável para o exercício da personalidade com dignidade.
Conforme dispõe o art. 11 do Código Civil de 2002 os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis. São também absolutos (no sentido de serem oponíveis erga omnes ), imprescritíveis quanto a sua proteção, inatos (pois são incorporados naturalmente à pessoa), vitalícios e extrapatrimoniais.
O nome tem os seguintes elementos: prenome (indicação do titular, individualização da pessoa); sobrenome ou patronímico (indicativo da origem, da família) e agnome (elemento diferenciador entre pessoas que possuem o mesmo nome e estão na mesma família, ex: Júnior, Neto).
Por outro lado, não são elementos do nome títulos nobiliárquicos (nobreza), pseudônimo/heterônimo (mas gozam de proteção tal como o nome) e hipocorístico (o nome utilizado pessoal e profissionalmente, como Lula, Pelé, Xuxa) que poderá ser acrescido ao nome ou substituído pelo prenome se comprovado que é por ele identificado, podendo até passar a ser elemento do nome. ( Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. (Redação dada pela Lei nº 9.708, de 1998) )
A regra era da inalterabilidade absoluta do nome, mas a partir de 1998 a Lei de Registro Públicos (6.015/73) a inalterabilidade passou a ser relativa, de modo que é possível a mudança de nome nos casos previstos em Lei e também em outros casos justificados (conforme previsão do art. 56, Lei 6.015/76)os quais somente serão autorizados por decisão judicial, nos termos do art. 57, a seguir:
Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa. (Renumerado do art. 57, pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 57 - Qualquer alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandato e publicando-se a alteração pela imprensa. (Renumerado do art. 58 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Dentre as hipóteses legais o nome poderá ser alterado em razão de casamento, divórcio, adoção, estrangeiro que adquire a nacionalidade e de pessoa que esteja sob o programa de proteção à testemunha ( Art. 58, Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 9.807, de 1999) )
Com relação as hipóteses não previstas em lei, há casos como o acréscimo do sobrenome do padrasto e os transexuais - pessoa que tem a forma de um sexo (masculino), mas a mentalidade de outro (feminino) - que após realizarem a cirurgia de mudança de sexo, alteram o nome no registro de nascimento.
Apesar do art. 13 do Código Civil ( Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes ) vedar a disposição do próprio corpo, os juristas que participaram da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002 entenderam que "a expressão 'exigência médica', contida no art. 13, refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente" (Enunciado nº. 6).
Neste sentido, vejamos as seguintes decisões de recentes julgados dos Tribunais brasileiros:
DECISAO: N J C, brasileiro, qualificado na inicial, formulou pedido de homologação de sentença estrangeira, proferida pelo Tribunal de Monza, República Italiana, que, em 19 de setembro de 2006, em razão de procedimento cirúrgico autorizado pela Justiça Italiana, determinou a retificação de seu registro civil, para a alteração da designação do gênero e de se prenome. O Ministério Público Federal, em parecer às fls. 23-26, manifestou-se pelo deferimento do pedido. Passo a decidir. Inexiste óbice à presente homologação. Conforme assinalado por esta Corte na Sentença Estrangeira n. 2.149/IT, "a jurisprudência brasileira vem admitindo a retificação do registro civil de transexual, a fim de adaptar o assento de nascimento à situação decorrente da realização de cirurgia para mudança de sexo". (SE 004179 - Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha - Data da Publicação: 15/04/2009) (Grifos nossos)
"REGISTRO CIVIL - Retificação - Assento de nascimento - Transexual - Alteração na indicação do sexo - Deferimento - Necessidade da cirurgia para a mudança de sexo reconhecida por acompanhamento médico multidisciplinar - Concordância do Estado com a cirurgia que não se compatibiliza com a manutenção do estado sexual originalmente inserto na certidão de nascimento - Negativa ao portador de disforia do gênero do direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de nascimento que acaba por afrontar a lei fundamental - Inexistência de interesse genérico de uma sociedade democrática em impedir a integração do transexual - Alteração que busca obter efetividade aos comandos previstos nos artigos , III, e , IV, da Constituição Federal - Recurso do Ministério Público negado, provido o do autor para o fim de acolher integralmente o pedido inicial, determinando a retificação de seu assento de nascimento não só no que diz respeito ao nome, mas também no que concerne ao sexo". (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 209.101-4 - Espirito Santo do Pinhal - 1ª Câmara de Direito Privado - Relator: Elliot Akel - 09.04.02 - V. U.)
No caso em tela, apesar do Tribunal paulista ter negado, a Terceira Turma do STJ, deferiu a alteração do nome registral de masculino para feminino com o diferencial de não fazer constar na nova certidão civil o registro de que houve a alteração de sexo.
Autor: Daniella Parra Pedroso Yoshikawa

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